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“Bill, quanto ao meu regresso ao trabalho…”

Bill deu-lhe uma palmadinha no ombro.

“Não é preciso dizeres nada,” Disse Bill. “Não podes trabalhar em casos durante algum tempo. Precisas de uma pausa. Não te preocupes, eu compreendo. E toda a gente vai compreender em Quantico. Tira o tempo que precisares.”

Bill olhou para o relógio.

“Desculpa ter que me ir embora, mas…”

“Vai,” Disse Riley. “E obrigada por tudo.”

Abraçou Bill e ele foi-se embora. Riley ficou no corredor, a pensar no futuro próximo.

“Tira o tempo que precisares,” Dissera-lhe Bill.

Isso podia não ser fácil. O que acabara de acontecer a April era uma recordação de todo o mal que andava à solta. O trabalho dela era impedir que acontecessem o máximo de coisas negativas que conseguisse. E se havia uma coisa que aprendera na vida, era que o mal nunca dormia.

CAPÍTULO DOIS

Sete semanas mais tarde

Quando Riley chegou ao gabinete da psicóloga, encontrou Ryan sozinho numa sala de espera.

“Onde está a April?” Perguntou.

Ryan fez um gesto de cabeça na direção da porta fechada.

“Está com a Dra. Sloat,” Disse, parecendo desconfortável. “Tinham qualquer coisa para falar a sós. Depois devemos entrar e juntar-nos a elas.”

Riley suspirou e sentou-se numa cadeira próxima. Ela, Ryan e April tinham passado muitas horas emocionalmente exigentes nas últimas semanas naquele local. Aquela era a última sessão com a psicóloga antes da pausa para as férias de Natal.

A Dra. Sloat tinha insistido que toda a família participasse na recuperação de April. Tinha sido árduo para todos eles, mas para alívio de Riley, Ryan tinha participado de forma incondicional no processo. Viera a todas as sessões e até pusera o trabalho em segundo plano para ter mais tempo disponível. Hoje fora buscar April à escola.

Riley perscrutava o rosto do ex-marido enquanto ele olhava fixamente para a porta do gabinete. Parecia um homem mudado. Não há muito tempo, era tão desatento que chegara ao ponto de ser negligente enquanto pai. Sempre insistira que todos os problemas de April eram da responsabilidade de Riley.

Mas o consumo de drogas de April e a sua quase introdução no mundo da prostituição forçada, mudara algo em Ryan. Depois da sua permanência na clínica de reabilitação, April já estava em casa com Riley há seis semanas. Ryan visitava-a com frequência e estivera presente no Dia de Ação de Graças. Por vezes até pareciam uma família normal.

Mas Riley não parava de se lembrar de que eles nunca tinham sido uma família normal.

Poderia isso agora mudar? Perguntava-se Riley. Quero que mude?

Riley sentia-se dividida, até um pouco culpada. Há muito que tentava aceitar o facto de que o seu futuro não incluiria Ryan. Talvez até houvesse outro homem na sua vida.

Sempre existira uma atração entre ela e Bill. Mas também se digladiavam e discutiam de vez em quando. Para além disso, a sua relação profissional era suficientemente exigente sem a parte romântica.

O seu vizinho bondoso e atraente, Blaine, parecia coadunar-se melhor com as suas necessidades, sobretudo porque a sua filha Crystal e April eram grandes amigas.

Ainda assim, em momentos como aquele, Ryan quase parecia o mesmo homem por quem ela se tinha apaixonado há tantos anos. Que rumo tomava a sua vida? Não sabia.

A porta do gabinete abriu-se e a Dra. Lesley Sloat saiu.

“Agora já podem entrar,” Disse com um sorriso estampado no rosto.

Riley sempre gostara da psicóloga baixinha, robusta e bondosa, e April também gostava muito dela.

Riley e Ryan entraram no gabinete e sentaram-se numas poltronas confortáveis. Estavam de frente para April que estava sentada no sofá ao lado da Dra. Sloat. April sorria debilmente. A Dra. Sloat fez um gesto com a cabeça para ela começar a falar.

“Aconteceu uma coisa esta semana,” Disse April. “É um pouco difícil falar sobre isso…”

A respiração de Riley acelerou e sentiu o coração bater com mais força.

“Está relacionado com a Gabriela,” Disse April. “Talvez ela também devesse aqui estar para falar sobre isto, mas como não está…”

April calou-se.

Riley estava surpreendida. Gabriela era uma mulher Guatemalteca corpulenta de meia-idade que trabalhava para a família há anos. Mudara-se com Riley e April, e era como um membro da família.

April respirou fundo e continuou, “Há alguns dias atrás, ela disse-me uma coisa que eu não vos disse. Mas penso que devem saber. A Gabriela disse que tinha que se ir embora.”

“Porquê?” Articulou Riley.

Ryan parecia confuso. “Não lhe pagas o suficiente?” Perguntou.

“É por minha causa,” Disse April. “Ela disse que não podia continuar. Disse que era demasiada responsabilidade para ela ter que impedir que eu me magoasse ou que me magoassem.”

April parou de falar. Uma lágrima cintilou no canto do olho.

“Ela disse que era demasiado fácil eu esgueirar-me de casa sem que ela se apercebesse. Não conseguia dormir à noite com medo que eu estivesse em perigo. Disse que agora que estou bem novamente, vai-se embora imediatamente.”

Riley ficou alarmada. Ela não sabia que Gabriela pensava dessa forma.

“Pedi-lhe para não ir,” Disse April. “Eu chorei e ela também chorou, mas não consegui que mudasse de opinião e fiquei apavorada.”

April conteve um soluço e limpou os olhos com um lenço.

“Mãe,” Disse April, “Eu cheguei a ajoelhar-me. Prometi que nunca a faria sentir-se assim novamente. Por fim… por fim ela abraçou-me e disse que não se iria embora desde que eu cumprisse a minha promessa. E vou cumprir. Vou mesmo. Mãe, pai, nunca mais vos vou preocupar ou à Gabriela ou a qualquer outra pessoa daquela forma.”

A Dra. Sloat deu uma palmadinha na mão de April e dirigiu um sorriso a Riley e Ryan.

Disse, “O que a April está a tentar dizer é que está a recuperar.”

Riley viu Ryan a tirar um lenço e a limpar os olhos. Raramente o vira chorar. Mas percebia como é que ele se estava a sentir. Ela própria estava comovida. Fora Gabriela – não Riley ou Ryan – a mostrar a luz a April.

Ainda assim, Riley sentiu-se incrivelmente grata por a sua família estar junta e bem no Natal. Ignorou o medo que se esgueirava dentro de si, a pavorosa sensação de que os monstros da sua vida iam transtornar o seu Natal.

CAPÍTULO TRÊS

Quando Shane Hatcher entrou na biblioteca da prisão no dia de Natal, o relógio de parede indicava que faltavam dois minutos para a hora certa.

Timing perfeito, Pensou.

Dali a alguns minutos ele ia evadir-se.

Estava divertido por ver decorações de Natal penduradas por todo o lado – todas feitas de esferovite, claro, nada duro ou afiado ou que pudesse ser utilizado como corda. Hatcher passara muitos períodos natalícios em Sing Sing e a ideia de tentar evocar o espírito natalício ali sempre lhe parecera absurdo. Quase ria quando via Freddy, o taciturno bibliotecário da prisão, a usar um barrete vermelho de Pai Natal.

Sentado na sua secretária, Freddy virou-se para ele e lançou-lhe um sorriso cadavérico. Aquele sorriso dizia a Hatcher que tudo corria como planeado. Hatcher silenciosamente assentiu com a cabeça e devolveu-lhe o sorriso. Depois Hatcher caminhou entre duas prateleiras e esperou.

Assim que o relógio bateu a hora certa, Hatcher ouviu o som da porta de carregamentos a abrir no extremo oposto da biblioteca. Dali a momentos, o motorista da carrinha surgiu empurrando um grande recipiente de plástico com rodas. A porta fechou-se ruidosamente atrás dele.

“Qué que tens pra mim esta semana, Bader?” Perguntou Freddy.

“O que é que achas que tenho?” Questionou o condutor. “Livros, livros, livros.”

O condutor espreitou rapidamente na direção de Hatcher e depois virou-se. O condutor, como era evidente, estava a par do plano. Daquele momento em diante, tanto o condutor como Freddy trataram Hatcher como se ele não estivesse ali.

Excelente, Pensou Hatcher.

Juntos, Bader e Freddy descarregaram os livros para uma mesa metálica com rodas.

“Que tal um café no comissariado?” Perguntou Freddy ao condutor. “Ou talvez um eggnog quente? Estão servi-lo nesta altura,”

“Parece ótimo.”

Os dois homens conversavam normalmente quando desapareceram pelas portas da biblioteca.

Hatcher permaneceu sossegado por um momento, estudando a exata posição do contentor. Tinha pago a um guarda para desviar uma câmara de vigilância aos poucos durante vários dias até haver um local não vigiado na biblioteca – um local que os guardas que olhavam para os monitores não tinham reparado. Parecia que o condutor tinha acertado em cheio.

Hatcher saiu silenciosamente de entre as estantes e saltou para dentro do contentor. O condutor deixara um cobertor grosso e pesado no fundo. Hatcher tapou-se com o cobertor.

Aquele era o momento do plano de Hatcher em que alguma coisa podia correr mal. Mas mesmo que alguém entrasse na biblioteca, duvidava que se dessem ao trabalho de espreitar para dentro do contentor. Os que inspecionariam o camião também tinham sido pagos.

Não que estivesse preocupado ou nervoso. Não sentia tais emoções há três décadas. Um homem que nada tinha a perder na vida não podia sentir ansiedade ou desconforto. A única coisa que podia suscitar o seu interesse era a promessa do desconhecido.

Permaneceu debaixo do cobertor, escutando atentamente. Ouvia o relógio de parede a emitir o seu ruído à passagem dos minutos.

 

Mais cinco minutos, Pensou.

E aquele era o plano. Aqueles cinco minutos dariam a Freddy um álibi. Poderia dizer com toda a sinceridade que não vira Hatcher a trepar para o contentor. Poderia dizer que pensara que Hatcher já saíra da biblioteca. Quando terminassem os cinco minutos, Freddy e o condutor voltariam e Hatcher seria transportado para fora da biblioteca e da prisão.

Entretanto, Hatcher deixou os seus pensamentos divagarem para o que faria com a sua liberdade. Ouvira recentemente umas notícias que faziam o risco valer a pena – até o tornavam interessante.

Hatcher sorriu quando pensou noutra pessoa que ficaria muito interessada com a sua fuga. Desejava ver a cara de Riley Paige quando descobrisse que ele fugira.

Riu-se deste pensamento.

Ia ser um prazer vê-la novamente.

CAPÍTULO QUATRO

Riley observava April enquanto esta abria a caixa com o presente de Natal de Ryan. Perguntou-se quão a par dos gostos da filha ele estaria por aqueles dias.

April sorriu quando pegou numa pulseira de prata.

“É linda, papá!” Disse April, dando-lhe um beijo na bochecha.

“Ouvi dizer que é o que está na moda,” Disse Ryan.

“E é!” Disse April. “Obrigada!”

Depois piscou ligeiramente o olho a Riley. Riley conseguiu conter uma risada. Há apenas alguns dias, April tinha-lhe dito o quanto detestava aquelas pulseiras disparatadas que todas as raparigas agora usavam. Apesar disso, April estava perfeita em parecer entusiasmada.

É evidente que Riley sabia que não era só fingimento. Era-lhe possível perceber que April estava contente com o facto de o pai ter feito um esforço para lhe comprar um presente de Natal de que gostasse.

O sentimento de Riley em relação à mala cara que Ryan lhe tinha oferecido era semelhante. Não era o estilo dela e ela nunca a usaria – Exceto quando soubesse que Ryan estaria por perto. E tinha a certeza de que Ryan sentia o mesmo em relação à carteira que ela e April lhe tinham comprado.

Estamos a tentar ser uma família novamente, Pensou Riley.

E naquele dia pareciam estar a conseguir.

Entretanto era manhã de Natal e Ryan acabara de chegar para passar o dia com elas. Riley, April, Ryan e Gabriela estavam sentados junto à aconchegante lareira a beber chocolate quente. O delicioso odor do jantar de Natal de Gabriela pairava no ar vindo da cozinha.

Riley, April e Ryan usavam cachecóis que Gabriela lhes fizera, e Gabriela usava umas pantufas fofas que April e Riley lhe tinham oferecido.

A campainha tocou e Riley foi ver quem era, deparando-se com o vizinho, Blaine e a filha adolescente Crystal.

Riley estava simultaneamente encantada e desconfortável por vê-los. Ryan já demonstrara ciúmes de Blaine – e não sem razão, Riley tinha que admitir. A verdade era que Riley considerava Blaine um homem muito atraente.

Não conseguia deixar de o comparar mentalmente a Bill e Ryan. Blaine era um pouco mais novo do que ela, estava magro e em forma, e Riley gostava que ele assumisse que estava a ficar sem cabelo.

“Entrem!” Disse Riley.

“Peço desculpa mas não posso,” Disse Blaine. “Tenho que ir para o restaurante, mas trouxe a Crystal para ficar.”

Blaine era dono de um popular restaurante no centro da cidade. Riley percebeu que não devia ficar espantada por estar aberto no dia de Natal. O jantar de Natal no Blaine’s Grill devia ser delicioso.

Crystal reuniu-se ao grupo junto da lareira. Aos risinhos, ela e April abriram os presentes que ofereceram uma à outra.

Riley e Blaine trocaram de forma discreta postais de Natal e depois Blaine foi-se embora. Quando Riley se juntou novamente ao grupo, Ryan parecia algo azedo. Riley guardou o cartão sem o abrir. Esperaria até que Ryan se fosse embora.

A minha vida é mesmo complicada, Pensou. Mas começava a parecer uma vida quase normal, uma versão da vida que ela apreciaria.

*

Os passos de Riley ecoavam no compartimento grande e escuro. De repente, o ruído de um interruptor a invadir o silêncio. As luzes agora ligadas cegaram-na durante alguns segundos.

Riley estava agora no corredor do que parecia ser um museu de cera repleto de peças aterradoras. À sua direita estava o corpo nu de uma mulher colocado junto a uma árvore. À esquerda, estava uma mulher morta envolta em correntes e pendurada num poste de eletricidade. Uma outra peça expunha vários corpos de mulheres com os braços amarrados atrás das costas. Para lá dessa peça, viam-se cadáveres esfomeados com os membros grotescamente dispostos.

Riley reconheceu cada uma daquelas cenas. Eram casos em que ela tinha trabalhado. Estava a entrar na sua câmara de horrores pessoal.

Mas o que é que estava ali a fazer?

De repente, ouviu uma voz jovem e aterrorizada a gritar.

“Riley, ajuda-me!”

Riley olhou em frente e viu a silhueta de uma jovem a erguer os braços num apelo desesperado.

Parecia Jilly. Estava novamente metida em sarilhos.

Riley desatou a correr na sua direção, mas então surgiu outra luz que mostrou que não se tratava de Jilly.

Era um homem velho envergando o seu uniforme de Coronel da Marinha.

Era o próprio pai de Riley. E ria-se do erro de Riley.

“Não estavas à espera de encontrar ninguém vivo, pois não?” Dizia. “Só és útil a quem já está morto. Quantas vezes é que tenho que te dizer isto?”

Riley estava intrigada. O pai tinha morrido há meses. Não sentia a sua falta. Fazia os possíveis para nunca pensar nele. Sempre fora um homem duro que só lhe tinha provocado dor.

“O que é que estás aqui a fazer?” Perguntou Riley.

“Só estou de passagem.” Riu. “Para ver como estás a estragar a tua vida. O mesmo de sempre, segundo me parece.”

Riley queria atirar-se a ele. Queria bater-lhe com toda a força que conseguisse. Mas ficou congelada sem se conseguir mexer.

Depois surgiu um som ensurdecedor.

“Gostava que pudéssemos conversar,” Disse ele. “Mas tens assuntos para tratar.”

O som tornou-se cada vez mais ruidoso e o pai virou-se e desapareceu.

“Nunca fizeste nada de bom a ninguém,” Disse ainda. “Nem a ti própria.”

Os olhos de Riley abriram-se. Percebeu que o telefone estava a tocar. O mostrador do relógio indicava que eram 06:00.

Riley viu que a chamada era de Quantico. Uma chamada àquela hora só podia significar algo grave.

Atendeu o telefone e ouviu a voz firme do seu chefe de equipa, o Agente Especial Responsável Brent Meredith.

“Agente Paige, preciso que venha ao meu gabinete agora mesmo,” Disse ele. “Isto é uma ordem.”

Riley esfregou os olhos.

“De que é que se trata?” Perguntou.

Seguiu-se uma curta pausa.

“Temos que falar sobre isso pessoalmente,” Disse ele.

E terminou a chamada. Durante um breve momento, Riley pensou se o que a esperava era uma reprimenda pelo seu comportamento. Mas não, já estava de licença há vários meses. Uma chamada de Meredith só podia significar uma coisa.

É um caso, Pensou Riley.

Ele não lhe ligaria no Natal por outra razão que não essa.

E pelo tom de voz de Meredith, parecia algo grave – talvez algo que transformasse a sua vida.

CAPÍTULO CINCO

A apreensão de Riley aumentou quando entrou no edifício da UAC. Quando penetrou no gabinete de Brent Meredith, o chefe encontrava-se sentado à secretária à sua espera. Meredith, um homem Afro-Americano de feições angulares, era sempre uma presença intimidante. Naquele momento também parecia estar preocupado.

Bill também lá estava. Riley percebeu pela sua expressão que ainda não tinha conhecimento do assunto da reunião.

“Sente-se, Agente Paige,” Disse Meredith.

Riley sentou-se numa cadeira disponível.

“Peço desculpa por interromper as suas férias,” Disse Meredith a Riley. “Há muito tempo que não falamos. Como tem passado?”

Riley foi apanhada de surpresa. Não fazia parte do estilo de Meredith dar nício a uma reunião daquela forma – com um pedido de desculpas e uma pergunta sobre o seu bem-estar. Geralmente ia direto ao assunto. Era evidente que ele sabia que ela estava de licença devido ao problema de April e Riley percebeu que Meredith estava genuinamente preocupado. Ainda assim, pareceu-lhe estranho.

“Estou melhor, obrigada,” Disse Riley.

“E a sua filha?” Perguntou Meredith.

“Está a recuperar bem, obrigada,” Disse Riley.

Meredith fixou o olhar no de Riley em silêncio durante alguns instantes.

“Espero que esteja preparada para regressar ao trabalho,” Disse Meredith. “Porque se há um caso em que precisamos de si, é neste.”

Riley estava confusa enquanto aguardava pela explicação do chefe.

Por fim, Meredith disse, “Shane Hatcher fugiu da Prisão de Sing Sing.”

As palavras de Brent Meredith atingiram-na como uma tonelada de tijolos e ficou contente por estar sentada.

“Meu Deus,” Disse Bill, igualmente surpreendido com a notícia.

Riley conhecia bem Shane Hatcher – demasiado bem para o seu gosto. Hatcher cumpria uma pena de prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional há várias décadas. No tempo que passara na prisão, tornara-se num perito em criminologia. Publicara artigos em revistas académicas e dera aulas nos programas académicos da prisão. Riley já o tinha visitado várias vezes na prisão em busca de conselho em casos em que estava a trabalhar.

As visitas sempre haviam sido perturbadoras. Hatcher parecia sentir uma afinidade especial por ela. E Riley sabia que, bem no fundo, também ela estava mais fascinada por ele do que era suposto. Para ela, ele era muito possivelmente o homem mais inteligente que já conhecera – e talvez também o mais perigoso.

Após cada visita, Riley jurava sempre nunca mais o ver. Agora lembrava-se bem da última vez que estivera na sala de visitas de Sing Sing.

“Não vou voltar,” Dissera-lhe ela.

“Pode não ter que cá voltar para me ver,” Respondera Hatcher.

Naquele momento, aquelas palavras pareciam perturbadoramente proféticas.

“Como é que ele fugiu?” Perguntou Riley a Meredith.

“Não sei muitos pormenores,” Disse Meredith. “Mas como provavelmente sabe, ele passava muito tempo na biblioteca da prisão e trabalha lá frequentemente como assistente. Ele estava lá ontem quando chegou um carregamento de livros. Deve-se ter escapado para a carrinha que trazia os livros. Quando os guardas deram pela falta dele ontem à noite, a carrinha foi encontrado abandonada a alguns quilómetros de Ossining. Não havia sinais do condutor.”

Meredith calou-se novamente. Riley não tinha qualquer dificuldade em acreditar que Hatcher tinha gizado tal plano de fuga. Quanto ao condutor, Riley nem queria pensar no que lhe sucedera.

Meredith inclinou-se sobre a secretária na direção de Riley.

“Agente Paige, você conhece o Hatcher melhor do que ninguém. O que nos pode dizer sobre ele?”

Ainda a recuperar do impacto que a notícia lhe causara, Riley respirou fundo e disse, “Na sua juventude, Hatcher foi membro de um gang em Syracuse. Era invulgarmente cruel até para um criminoso calejado. As pessoas chamavam-lhe ‘Shane the Chain’ porque gostava de espancar até à morte rivais de outros gangs com correntes.”

Riley fez uma pausa, tentando recordar-se do que Shane lhe dissera.

“Um determinado polícia assumiu como missão pessoal prender Hatcher. Hatcher retaliou pulverizando-o com correntes a ponto de ficar irreconhecível. Deixou o seu corpo desfigurado no alpendre da sua casa para a família o encontrar. E foi aí que Hatcher foi apanhado. Está na prisão há trinta anos. Nunca de lá sairia.”

Outro silêncio se seguiu.

“Neste momento tem cinquenta e cinco anos,” Disse Meredith. “Seria de pensar que após trinta anos na prisão, ele não fosse tão perigoso como era quando jovem.”

Riley abanou a cabeça

“Pensaria mal,” Disse ela. “Naquela altura, ele era apenas um bandido ignorante. Não tinha conhecimento do seu próprio potencial. Mas com o passar dos anos adquiriu muitos conhecimentos. Ele sabe que é um génio. E nunca demonstrou qualquer arrependimento. E desenvolveu uma personalidade polida ao longo dos anos. E comportou-se bem na prisão, o que lhe dá acesso a privilégios, mesmo que a pena não seja reduzida. Mas tenho a certeza de que ele é, neste momento, mais cruel e perigoso do que nunca.”

 

Riley pensou por alguns instantes. Algo a incomodava, mas não sabia bem o quê.

“Alguém sabe porquê?” Perguntou Riley.

“Porquê o quê?” Disse Bill.

“Porque é que ele fugiu.”

Bill e Meredith trocaram olhares intrigados.

“Por que é que alguém foge da prisão?” Perguntou Bill.

Riley percebeu quão estranha soava a sua pergunta. Lembrava-se de uma altura em que Bill fora com ela falar com Hatcher.

“Bill, tu conheceste-o,” Disse ela. “Pareceu-te alguém insatisfeito? Inquieto?”

Bill franziu o sobrolho enquanto pensava.

“Não, na verdade ele parecia…”

E não prosseguiu.

“Quase satisfeito, talvez?” Disse Riley, terminando o pensamento que Bill deixara incompleto. “A prisão parece assentar-lhe bem. Nunca tive a sensação de que ele desejasse a liberdade. Há quase qualquer coisa de zen a respeito dele, o seu desprendimento em relação a tudo na vida. Que eu saiba, não tem desejos. A liberdade não tem nada a oferecer-lhe. E agora está em fuga, um homem procurado. Porque é que ele decidiu fugir? E porquê agora?”

Meredith tamborilou os dedos na secretária.

“Como ficaram as coisas da última vez que esteve com ele?” Perguntou. “Despediram-se sem problemas?”

Riley mal conseguiu suprimir um sorriso irónico.

“Nunca nos despedimos sem problemas,” Disse ela.

Depois, após uma pausa, acrescentou, “Compreendo onde quer chegar. Está a pensar se eu serei o seu alvo.”

“É possível?” Perguntou Bill.

Riley não respondeu. Mais uma vez se lembrou do que Hatcher lhe tinha dito.

“Pode não ter que cá voltar para me ver.”

Seria uma ameaça? Riley não sabia dizer.

Meredith disse, “Agente Paige, não preciso de lhe dizer que este caso é de grande importância e vai implicar muita pressão. Enquanto falamos, a notícia já está em todos os meios de comunicação social. As fugas de prisões são sempre notícias de grande relevo. Até podem causar pânico generalizado. Seja o que for que ele pretenda, temos que o localizar rapidamente. Tenho pena que tenha que voltar a um caso tão perigoso e difícil como este. Sente-se preparada? Sente-se à altura?”

Riley sentiu uma estranha dormência ao ponderar aquela pergunta. Era uma sensação que se apoderava dela antes de aceitar um caso. Demorou um instante a perceber que a sensação era medo, puro e simples medo.

Mas não era medo por si. Era algo mais. Era algo inominável e irracional. Talvez fosse o facto de que Hatcher a conhecia demasiado bem. Pela sua experiência, todos os prisioneiros sempre queriam algo em troca de informações, mas Hatcher não estava interessado em banalidades como whiskey ou cigarros. O seu quid pro quo tinha tanto de simples como de profundamente perturbador.

Hatcher queria que Riley lhe contassse coisas a seu respeito.

“Algo que não queira que os outros saibam,” Dissera ele. “Algo que não quer que ninguém saiba.”

Riley tinha cumprido, talvez com demasiada facilidade. Agora Hatcher sabia todo o tipo de coisa a seu respeito – que era uma mãe com falhas, que odiava o pai e que não fora ao seu funeral, que havia tensão sexual entre ela e Bill, e que às vezes – tal como o próprio Hatcher – retirava prazer da violência e da morte.

Ela lembrava-se do que ele dissera na sua última visita.

“Eu conheço-a. Em alguns aspetos, conheço-a melhor do que você própria.”

Conseguiria ela ser tão perspicaz como aquele homem? Meredith aguardava pacientemente a resposta à sua pergunta.

“Estou tão pronta quanto me é possível estar,” Disse Riley, tentando soar mais confiante do que na realidade se sentia.

“Ótimo,” Disse Meredith. “Como devemos proceder?”

Riley pensou por alguns instantes.

“O Bill e eu temos que averiguar toda a informação que o FBI tem sobre Shane Hatcher,” Afirmou Riley.

Meredith anuiu e disse, “Já tomei a liberdade de pedir ao Sam Flores para começar a preparar tudo.”

*

Alguns minutos mais tarde, Riley, Bill e Meredith já se encontravam na sala de conferências da UAC a observar as informações multimédia que Sam Flores tinha reunido. Flores era um técnico laboratorial com óculos de aros escuros.

“Penso que tenho aqui tudo aquilo que desejam ver,” Disse Flores. “Certificado de nascimento, registos de detenções, transcrições de tribunal, tudo.”

Riley tinha que admitir que era uma compilação impressionante que não deixava muito espaço à imaginação. Havia várias fotos horríveis das vítimas de Shane Hatcher, incluindo o polícia desfigurado deixado no alpendre da sua própria casa.

“Que informações temos sobre o polícia que Hatcher assassinou?” Perguntou Bill.

Flores mostrou um conjunto de fotos que mostravam um polícia de aspeto amável.

“Trata-se do agente Lucien Wayles que tinha quarenta e seis anos quando morreu em 1986,” Disse Flores. “Era casado e tinha três filhos, fora condecorado, todos gostavam dele e era respeitado. O FBI colaborou com polícias locais e apanharam Hatcher poucos dias depois da morte de Wayles. O que é incrível é que não reduziram Hatcher a um monte ensanguentado no momento em que o apanharam.”

Olhando para a apresentação, Riley ficou atónita com as fotos do próprio Hatcher. Mal o reconhecia. Apesar do homem que conhecia poder ser intimidante, conseguia projetar uma atitude respeitável, até de académico com uns óculos de leitura sempre pendurados na ponta do nariz. O jovem Afro-Americano que surgia nas fotos de 1986 tinha um rosto duro e um olhar cruel e vazio. Riley quase tinha dificuldade em acreditar que se tratava da mesma pessoa.

Por muito detalhada e completa que a apresentação fosse, Riley sentiu-se insatisfeita. Ela pensava que conhecia Shane Hatcher melhor do que qualquer outra pessoa, mas a realidade era que ela não conhecia aquele Shane Hatcher – o cruel jovem bandido a quem deram a alcunha de “Shane the Chain.”

Tenho que o conhecer, Pensou.

Caso não o fizesse, duvidava que o conseguisse apanhar.

De alguma forma, sentia que a sensação fria e digital que a apresentação lhe transmitia trabalhava em seu desfavor. Precisava de algo mais tangível – fotografias reais com vincos e pontas dobradas, relatórios e documentos amarelados e frágeis.

Perguntou a Flores, “Posso ter acesso aos originais?”

Flores manifestou alguma incredulidade.

“Lamento, Agente Paige – mas nem pensar. O FBI destruiu todos os ficheiros em papel em 2014. Agora está tudo digitalizado. O que vê é o que temos.”

Riley libertou um suspiro de desilusão. Sim, ela lembrava-se da destruição de milhões de ficheiros em papel. Outros agentes se tinham queixado, mas na altura não lhe parecera um problema. Agora bem que desejava a antiga sensação de palpabilidade.

Mas naquele momento, o mais importante era tentar adivinhar qual o próximo passo de Hatcher. E ocorreu-lhe uma ideia.

“Quem foi o polícia que prendeu Hatcher?” Perguntou Riley. “Se ainda for vivo, o mais certo é ser o primeiro alvo de Hatcher.”

“Não foi um polícia local,” Disse Flores. “E não foi um polícia.”

Mostrou uma foto antiga de uma agente.

“Chama-se Kelsey Sprigge. Era Agente do FBI no departamento de Syracuse – na altura tinha trinta e cinco anos. Agora tem setenta, está aposentada e vive em Searcy, uma cidade perto de Syracuse.”

Riley ficou surpreendida com o facto de Sprigge ser uma mulher.

“Ela deve-se ter juntado ao FBI…” Começou Riley.

Flores continuou o seu pensamento.

“Entrou em 1972, quando o cadáver de J. Edgar mal tinha arrefecido. Foi nessa altura que as mulheres foram finalmente autorizadas a serem agentes. Anteriormente tinha sido polícia.”

Riley estava impressionada. Kelsey Sprigge tinha vivido muita história.

“O que me podes dizer sobre ela?” Perguntou Riley a Flores.

“Bem, é viúva, tem três filhos e três netos.”

“Liguem ao departamento do FBI de Syracuse e digam-lhes para mantê-la em segurança a todo o custo,” Disse Riley. “Ela está em perigo.”

Flores assentiu.

Depois voltou-se para Meredith.

“Vou precisar de um avião.”

“Porquê?” Perguntou Meredith, confuso.

Riley respirou fundo.

“Shane pode estar a caminho de matar Sprigge,” Disse ela. “E eu quero estar com ela antes que isso possa acontecer.”